EROS UMA VEZ
Entro súbito. Te encontro de bruços. Olha-me por dentro. Ou melhor, por fora. Ou melhor, por baixo. Da roupa. Os lábios flutuam, correm pela sala e abocanham. E eu fico ali, submerso. Enfiado. Dentro.
sexta-feira, 9 de abril de 2010
Puxa com cuidado a meia rendada. Abotoa sem pressa o espartilho. Reforça o ruge e o batom. Sobe no sapato de longos saltos. Coloca um jazz lento e serve-se de gim. A fumaça do incenso abruma a sala. Por fim, vai até a penteadeira, abre um estojo e dele tira uma gargantilha negra com um pingente brilhante. Agora sim ele pode estar. No início roçando leve seu corpo, sutilmente insinuada. As ligas se estendendo às meias como as suas mãos resolutas. Os corpos se abraçam no início suavemente. Vai-se produzindo um calor interior intenso. A boca arfa e o púbis dança como a força das marés. Uma concha côncava-convexa a receber vida. Quadris fartos, coxas polpudas. Ele gira, puxa-a leve e firme por trás e lhe oferece um prazer súbito. Irradiado, estupendo, nutrido. Oferece-se, entrega-se ao pulsar. Não resiste nada. Geme, goza, vibra, preenche-se de sêmen. Então mansamente debruça-se sobre o seu torso, agora menos ofegante. Sente-se liquefeita, sem nenhum contorno. Deixa-se escorrer.
Não, não é alfazema. Gardênia tem cheiro? Tira da gaveta o espelho. Procura-se. Está ansiosa, pois essa é a hora em que os detalhes são fundamentais. O broche arremata o colo nu. A textura delicada da pele lhe empresta uma nobreza absoluta. Sabe-se linda. Mas verifica. Escrutina-se com minúcia. Encontra no reflexo o esboço de um leve riso. Sente um pequeno prazer ao perceber a sua presença de espírito. O vestido claro com um decote que, mais além de realçar os seios, revela o extraordinário colo. Como se emergisse do corpo majestosa cúspide erguida sobre um pedestal de ouro. O tecido alvo leve deriva de si feito bruma. Seu olhar penetra-se intangível. Suas pupilas, dois imensos e inebriantes abismos. De súbito, pela janela entra uma mariposa dançando alegre harmonia. Distrai-se. A cena é a de um quadro renascentista em luz e sombra. Isso a descola de qualquer mundanidade. Está nessa suspensão litúrgica ou lisérgica quando chega a escolta. Sem deixar de atentar ao encanto do inseto dançarino, ergue-se lentamente e segue pelos corredores na direção dos aposentos do sultão.
A luz é de pouca intensidade mas direcionada. Sob o facho, tem um livro aberto sobre as pernas. É seu momento especial. A poltrona, o café, depois do almoço. As lentes embaçam a cada gole. Ri disso. Como se envolvesse o mistério que se revela a cada parágrafo. Sopra em vão e a fumaça se dispersa da xícara. Às vezes acha o cheiro penetrante do café melhor que o líquido. Está lendo Guerra e Paz. Depois de Ana Karenina e de uma sexta tentativa de atravessar a nado o Ulisses, resolveu-se pelos clássicos russos. Mas ainda estava com o pensamento renitente; não se sentia ainda em condições de viajar tão longe. Os alunos, porém, estavam empolgados com a ideia de encenar O Jogador. Mas tinha receio de que a diretora da escola não achasse lá muito adequado. Quem sabe algo de Shakespeare? E depois, se fosse indicada para concorrer à direção da escola, como faria com esses projetos...? E se fosse escolhida? Não teria nenhum aluno e todos? Puxa, era melhor mergulhar no livro e ir para o meio das estepes.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Os diagnósticos de bipolaridade, em voga nos periódicos de comportamento, são fato que me arranha. Por isso, onde localizo uma voz sobre o tema, me anteno. Me arranha, sim, porque, primeiro, faz referência a(o diagnóstico de) alguém do meu mínimo reduto; segundo, porque diagnósticos, não digo todos, mas em vários campos, especialmente no da saúde mental, são feitos por enquadramento, aproximação ou preenchimento: não se sabe exatamente..., é virose! No caso de comportamento, é bipolaridade! E em meu trabalho alguém lia em voz alta um teste de revista tal com questões de ‘sim ou não’ sobre manifestações, características ou sintomas dessa "patologia". E todos os que ouvíamos, de alguma forma, nos sentimos bipolares ao final da sindicância. Projetos entusiásticos, mas inconclusos; preocupação acentuada com a própria aparência; estado de excitação verbal em alternância a períodos de tristeza e introjeção; e por aí ia (se é que ia a alguma lugar...).
Fiquei com a pulga presa ao rabo. E hoje, dia seguinte, ao chegar ao trabalho, reacendi o tema e vinha, meditabundo pelo câmpus, cogitando um possível diagnóstico de mediocridade e absoluta falta de emoções ao meu caso. Eu que (somente) em tese não tenho nem procurei ter diagnóstico algum do transtorno, ou picos de euforia e profusas crises existenciais. Fico na corda entre os abismos, meio bamba, meio equilibrista, mas preso à linha reta. Sem atrevimento, não me lanço à coragem de gritar sentimentos, tomar as atitudes absolutamente sinceras, dizer exatamente, se nenhum novelo. Mas não, como a metáfora concreta da arquitetura urbana, fico feliz preso à jaula à prova de intrusos. Vejo o mundo pela grade, como se assim fosse o mundo. Como se já tivesse sido construído assim, mediado pelo ferro. Minha jaula é justa como uma camisa de força, e nela me (c)o(m)primo para poder caber num mundo que apenas suponho. Num mundo em que já nascemos vitimados por viroses, neuroses, transtornos. O que resta é ir revelando em pistas as balizas de uma provável ou fictícia normalidade. E levando uma vidinha normal, insossa, sensaborona, desossada. Mas sã. Des-satanizada. Loas à mediocridade e à vida normal! Tudo aos diagnósticos!
Fiquei com a pulga presa ao rabo. E hoje, dia seguinte, ao chegar ao trabalho, reacendi o tema e vinha, meditabundo pelo câmpus, cogitando um possível diagnóstico de mediocridade e absoluta falta de emoções ao meu caso. Eu que (somente) em tese não tenho nem procurei ter diagnóstico algum do transtorno, ou picos de euforia e profusas crises existenciais. Fico na corda entre os abismos, meio bamba, meio equilibrista, mas preso à linha reta. Sem atrevimento, não me lanço à coragem de gritar sentimentos, tomar as atitudes absolutamente sinceras, dizer exatamente, se nenhum novelo. Mas não, como a metáfora concreta da arquitetura urbana, fico feliz preso à jaula à prova de intrusos. Vejo o mundo pela grade, como se assim fosse o mundo. Como se já tivesse sido construído assim, mediado pelo ferro. Minha jaula é justa como uma camisa de força, e nela me (c)o(m)primo para poder caber num mundo que apenas suponho. Num mundo em que já nascemos vitimados por viroses, neuroses, transtornos. O que resta é ir revelando em pistas as balizas de uma provável ou fictícia normalidade. E levando uma vidinha normal, insossa, sensaborona, desossada. Mas sã. Des-satanizada. Loas à mediocridade e à vida normal! Tudo aos diagnósticos!
quinta-feira, 28 de maio de 2009
Ideias ricocheteando em bando nesta caixa-gaiola-janela
Pousam aqui, revoam dos galhos das árvores-cabeças
Gralham em parábolas que se articulam entre ouvidos
Pares de asas voando em busca de sentido
À procura do sossego de um cader-ninho
Em que possam acomodar sua prole de pensamentinhos
Pelados, olhos cerrados, bicos famintos
À espera de se tornarem
conjecturas adolescentes, hipóteses robustas
Até ganharem o desapego da vida e das asas próprias
E se tornarem vistosas aves-poesia, ciência, filosofia
Pousam aqui, revoam dos galhos das árvores-cabeças
Gralham em parábolas que se articulam entre ouvidos
Pares de asas voando em busca de sentido
À procura do sossego de um cader-ninho
Em que possam acomodar sua prole de pensamentinhos
Pelados, olhos cerrados, bicos famintos
À espera de se tornarem
conjecturas adolescentes, hipóteses robustas
Até ganharem o desapego da vida e das asas próprias
E se tornarem vistosas aves-poesia, ciência, filosofia
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