terça-feira, 31 de março de 2009

Motivos óbvios

Troca-se uma pena usada com certo desgaste
Por um par de asas em bom estado. Basta que voe.
Trocam-se todas as idéias: porteira fechada
Por um espírito errante e vagabundo e solto
E muito menos idiota que o meu.
Troca-se o pulso de um relógio que já não mais funciona.
Aceita-se todo o tipo de despeito.
Troca-se toda a chance de eternidade
Por apenas um momento. (Pleno.)
Troca-se uma porção e toda a sorte
De pequenos esparsos pensamentos
Por uma quase idiota meia-verdade
Ou uma grande mentira.
Troca-se toda uma vida, em desespero,
Pelo mais simples que pode um coração sonhar.
Troca-se aquilo que se inexoravelmente é
Pelo que nos consome: o que não somos.
Trocam-se o dia pela noite, a ciência pelo mito,
Todo o dito pelo não dito.
Trocam-se a voz pelo grito, a paz pelo conflito,
O cheio pelo vazio pelo mar pelo rio,
A chuva pelo estio pelo sal pela súbita secura de tudo.
Troca-se o que não se agüenta mais pelo certo que é,
Por nos viver matando, por nos sorver com os dentes,
Por não nos permitir inconseqüentes e tortos que somos.
Troca-se esse poema esdrúxulo por um pouco de afago,
Pela falta que fazes, pelo flerte, pelo fim no início.
Troca-se tudo por motivo óbvio.

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